De: IHU Unisinos
Deus em
nossas mãos
Não, os
mortos na queda das torres gêmeas de Nova York não eram mais pecadores do que
os outros, nem as vítimas dos terremotos e inundações ou dos bombardeios no
Iraque ou na Síria... A morte está sempre por perto, chegando de improviso ou
ao final de intermináveis agonias. A cegueira do cego de nascença, em João 9,
não se devia a nenhum pecado, nem dele nem dos seus pais.
A ideia do sofrimento
como punição divina é tão antiga como a humanidade. A Bíblia assume este fato e
o faz passar por um tratamento que só dará frutos de verdade na hora da Paixão
e Ressurreição de Cristo. É quando ficamos sabendo que Deus deixa que os homens
crucifiquem Jesus sem que legiões de anjos o impeçam; que Ele se põe à mercê
das nossas vontades e paixões.
Em resposta
às surpresas que a Bíblia nos traz, o livro de Jó testemunha uma das mais
significativas: como se dá que os justos tenham a mesma sorte que os culpados?
É sempre difícil libertarmo-nos da imagem de um Deus intervencionista, que é
quem decide tudo e que provoca tudo o que acontece em nossas vidas.
Deus, por
certo, não está ausente, está sempre "conosco". Mas simplesmente para
compartilhar o que temos de atravessar, para que todas as coisas resultem para
nós em vida e em glória. Deus se põe em nossas mãos, mas é finalmente para nos
tomar nas suas.
Da Lei ao
amor
Mas, então, o
que significa a inquietante fórmula de Jesus: "Se não vos converterdes,
ireis morrer todos do mesmo modo"? Todos, tanto os mais como os menos
pecadores: digamos que os injustos e os justos. Até mesmo os justos, então,
devem também se converter? Poderíamos responder que ninguém é verdadeiramente
justo. Paulo repete que todos os homens são pecadores.
João, em suas
cartas, diz que quem se pretende sem pecado é mentiroso ou, pelo menos,
inconsciente. Não creio ser necessário ir mais longe: ainda supondo que um
homem fosse totalmente justo, mesmo assim seria preciso que se convertesse. Não
a qualquer coisa, como, por exemplo, a melhores práticas, mas a Alguém.
Converter-se
é "voltar-se para". Para aquele que vem ao nosso encontro. Pôr o Cristo
no centro de nossas vidas, sem esquecer que ele vem ao nosso encontro através
de todo homem. Resumindo, trata-se de passar da Lei ao amor. Ao longo das suas
cartas, Paulo explica que não podemos nos salvar pelas obras conforme a Lei,
mas somente pela fé em Cristo.
Pôr a sua fé
em Cristo é sair de si para voltar-se para o Outro. E assim direcionados, somos
na verdade "justificados", tornados justos. Mas então a palavra
justiça muda de sentido: designa uma conformidade com o próprio Deus, que é
amor. Só não morre quem se torna "participante da natureza divina".
Paradoxo: não somos justificados e "salvos" pela busca de nossa
própria perfeição, mas pela busca do "Outro".
A árvore e
o fruto
Quer sejam as
vítimas de Siloé ou os idosos que morrem em seu leito, somos todos “da mesma
maneira” destinados à morte: santos ou pecadores. A Boa Nova consiste nisto:
mesmo normalmente destinados à morte, somos finalmente destinados à vida.
Podemos crer ou não nisto, mas esta fé nos liberta do fardo de nós mesmos, o
que já é um critério de verdade.
Crer na vida
faz-nos sair de nós mesmos para que demos frutos. Com efeito, o fruto é algo
que é chamado a deixar a árvore, é uma oferenda ao futuro, ao seu próprio
futuro de árvore, mas multiplicando-se em expansão da vida. Encontramos aqui
este impulso para fora de nós mesmos, o único que nos justifica e nos salva da
morte.
Por seu
fruto, a árvore desapropria-se de si mesma, mas garante a sua perenidade.
Podemos ler nesta ótica a parábola da figueira estéril. Não vamos imaginar
qualquer sanção divina contra a árvore sem frutos. Esta árvore, na realidade,
já está morta. Resta-lhe, no entanto, uma chance: o trabalho do
"jardineiro". “Jardineiro” que é o próprio Deus que, em Cristo e por
Cristo, está em trabalho.
Estende a sua
mão para nós, em nosso naufrágio: e agarrá-la ou ignorá-la vai depender da
nossa liberdade. Deus está à nossa disposição para nos dar fecundidade.
"Meu Pai é glorificado", diz Jesus em São João, "quando produzis
muitos frutos" (15,8). O fruto é que salva a árvore.
A reflexão é
de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as
leituras do 3º Domingo da Quaresma, do Ciclo C. A tradução é de Francisco O.
Lara, João Bosco Lara e e José J. Lara.
Via: IHU
Unisinos em 26 Fevereiro 2016