terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Água na terra dos pés


Sola dos pés.
Pontos vitais.
Todo o corpo ali se encontra.
Pés no chão.
Contato com a terra.
Toda a vida ali se encontra.

Carinho do toque
no pêlo do cachorro.
Energia da terra
no toque dos pontos vitais.

“Não fique descalça!” “E se pisar num prego enferrujado?! Dá tétano! Morre! Tem que tomar injeção! E dói demais!”
“Não entre na enxurrada!” “Pode ter caco de vidro e cortar o pé! E se vier uma cobra?!”
Pés sempre cobertos.
O prazer de pisar na terra enlameada
pela enxurrada depois da chuva,
não pode!

Água na terra, água nos pés.

(Não me ocorre se, antigamente, bem antigamente, havia tanta preocupação com os pés descalços...)

Penso na alegria do meu cachorro
e agora o entendo.
Ele teve o melhor de mim:
coração, olhos... ao alcance dos meus pés.
Também compreendo sua alegria
após o banho, a correria
pelo quintal de terra,
a despeito de nossos gritos.

Agora,
não mais sentir o pêlo quente do cachorro,
suas costas, dorso, cabeça, barriga,
através da sola dos meus pés.
Agora,
não mais aquela terra boa,
vermelha, enlameada, lisa,
os pés mergulhando na água barrenta,
os pés deslizando com suavidade
na idade suave dos meus sete anos.

Penso na felicidade da terra.
“Do pó viemos. Ao pó voltaremos.”
A força da gravidade.
A força da fé.
Daí, o prazer dos pés no chão,
a revitalização dos pontos vitais.
Um dia, o corpo inteiro...

(...)

Doloridos,
doentes,
cansados,
feridos,
os pés talvez sintam a falta da terra.
Eles não se acostumam mais aos cremes
esfoliantes,
hidratantes,
desodorizantes,
nem à borracha das sandálias
que não deformam nem soltam as tiras,
recusam o falso couro dos sapatos
e declaram guerra aos 98% poliamida + 2% elastano + 0% algodão
das meias soquetes.

Surgem as rachaduras, a sequidão,
tal qual acontece com o leito dos rios que vão se quebrando,
esturricando, secando,
perdendo vida.

Água na terra é vida.
Água (e terra) nos pés, também.


Sandra Medina Costa

[Imagem: Flickr]

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