segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Janela de Domingo


Na janela de domingo
Fico a olhar o presente
Pessoas que passam aos pares
Na rua de baixo
Para a esquerda
Bíblia na mão ou sob o braço
Tempo nublado
Pregar a Palavra de Deus?
Pessoas que passam em grupo
Ou sozinhas
Na rua de baixo
Para a direita
Sombrinha na mão
Tempo nublado
Missa?
No viaduto em frente
Carros que vêm e vão
Pessoas num caminhar solitário
Sacolas na mão
Um andar cansado da vida
Ao longe vislumbro minha infância
Na igrejinha antiga

Na janela de domingo
Fico a olhar o passado
Família que se reunia em casa
Para o almoço que mãe fazia
Galinha com macarronada
Afinal era domingo
A galinha que chegava
“Põe água pra ferver!”
era assustadoramente sangrada
a faca raspava umas penugens do pescoço
a faca deitada batia-lhe o pescoço para esquentar o sangue
a faca e o fio de corte afiado desferia-lhe o corte fatal
e o sangue jorrava num prato branco esmaltado
Depois disso era escaldada
E perdia as penas
(Parei de comer galinha se a visse viva antes...)
Às vezes havia o peixe
Feito com leite de coco e azeite de dendê
E eu ficava por perto
Enquanto mãe ralava o coco
Para depois lhe espremer e tirar o leite
Era uma oportunidade de ouro
Para eu ganhar os toquinhos de coco que sobravam
Quando ela não conseguia mais ralar
E eu rezava para nenhum de meus irmãos
Terem a mesma ideia que eu
O sabor daquele coco era muito bom!
Quando os amigos de pai vinham
Eram domingos barulhentos e alegres
Cantoria
Violão
Pinga
Feijão cozido com
Pele de porco
Pé de porco
Orelha de porco
Meu Deus!
Eu detestava esse feijão!
Limonada para beber
O limoeiro sempre carregado
Ora de limões
Ora de lagartas
Amigos que se encontravam
Para a “hora dançante” com vitrola lá em casa
Namorados que se encontravam
Namoros que começavam
Felicidade que havia
E eu com muito sono

Na janela de domingo
Tento enxergar o futuro
Tempo nublado
Eu escaldada
Toquinhos de coco
Violão guardado
Saudade de mim
Limões ou lagartas?
Limões


Sandra Medina Costa

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