quinta-feira, 4 de junho de 2015

De Vagar (releitura)


1. O que leva um homem a sair, sábado de manhã, do aconchego de seu lar e dirigir-se a um abrigo de menores carentes, que ali estão por viverem em situação de risco?

O muito possuir
Em meio a tantos necessitados
Tira a paz da consciência
E ele sofre incomodado

Fazer de verdade o bem
Distribuindo amor em seu gesto,
Sabendo que mesmo assim
Na caridade não há excesso.

Criar uma falsa imagem
De retidão e bondade,
Podendo ter grandes proveitos
Junto a sua comunidade.

Fazer papel de bom moço
(como um velho e bom ator)
na “não confessa” esperança
de ver retribuído o favor.

Achar mais fácil saciar
Os carentes dos abrigos,
Do que alimentar a alma
Dos próximos que moram consigo.

Pois essa opção de ajudar
É uma grande maravilha:
“liberta-o” do compromisso
de cuidar da própria família.

Sabendo que ninguém escolhe
Um destino tão cruel,
Ficar “de bem” com Deus
Pra merecer o reino dos céus.

Ficar bem com si mesmo,
Acreditar no que faz,
E fazê-lo de forma anônima
Pra ter o coração em paz.


2. E, contrariamente, o que leva um homem a NÂO sair de casa para e dirigir-se a um abrigo de menores carentes, que ali estão por viverem em situação de risco?

Medo. Há riscos lá fora,
Nas ruas, assaltos, violência.
Em casa não há perigo
E nem dor de consciência.

“A vida é assim mesmo” – ele pensa,
“só se colhe o que plantar”.
A despeito de qualquer coisa, a pessoa
Só passa o que tem de passar.

Não parar pra pensar nisso,
Ignorar o que semeia,
Curtir a vida, em vez de
Se ocupar com a desgraça alheia.

Saber que já há ajudantes
Pra qualquer instituição;
E ele ganha pouco, trabalha muito,
E é indiferente à questão.

Achar que não é responsável,
Pois não criou tal problema,
Não se sente tocado.
Ajudar? Não. Só dá pena.

Preferir assistir à vida
Passando pela TV...
Comodismo? Descompromisso?
Descrença? falta de fé?

“Tirar do bolso ou da sua despensa
Para alimentar filhos alheios?”
Acha que cabe ao governo
Assumir, encontrar os meios.

Evitar estar de frente
A essa realidade crua
Pois sabe que isso representa
Apenas uma fuga da sua.

“Além do mais”, pensa ele,
“quem disse que é sério o bastante
essas tais obras sociais?
E o compromisso, quem garante?”

Reconhecer-se sem condições mínimas
De ajudar naquele momento.
O emocional e o psicológico impedem
De se tornar “alimento”.

Sandra Medina Costa

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