E um cão, que estava deitado, erguendo a cabeça,
eriçou as orelhas: era Argos que o paciente Ulisses havia
criado antes de ir para a sagrada Ílion (...)
Abandonado na ausência de seu senhor, rolava diante do
portal
sobre os estrumes das mulas e dos bois.
Ali estava deitado Argos, comido das carraças.
Vendo aproximar-se Ulisses, agitou a cauda e baixou a
cabeça,
Faltaram-lhe forças pra chegar até onde estava seu
senhor.
Este, voltando a cabeça, chorou...
Od. XVII, 291-304.
Estava difícil abrir o portão e
entrar. Duque, ansioso, choramingava – ávido que estava pelo pão, e talvez por
estar só. Como sempre, pulou para pegar o pão ainda no ar.
Entrei, meio insegura, com receio de
ter sido esquecida e ele me estranhar.
Chamei-o baixinho. “Cadê meu cachorro?”
Choraminguei como ele, chamando-o.
Com o pão na boca, Duque olhou-me
por alguns longos e intermináveis instantes, um olhar cinza-saudoso de cortar o
coração. Largou o alimento ali mesmo e veio ao meu encontro. Cheirou-me, esfregou-se
em meus pés e minhas pernas, olhou-me e, humildemente abaixou a cabeça para
receber o costumeiro carinho que eu lhe dava.
Conversei carinhosamente com ele
enquanto afagava-lhe os pelos. Percebi que a cada vez que eu retirava a mão,
ele me olhava de novo com aquele olhar envelhecido e reclinava a cabeça. Sentia
falta dos carinhos. Alimentado da saudade, correu feliz para o pão.
Aproveitei sua distração para sair,
ir embora.
Lembro-me da história de Argos – o cão de Ulisses contada pelo
meu primo Andrey, lá longe em minha infância. Nunca me esqueci da frase final:
“Só tu, Argos, só tu me reconheceste!” Arrepia-me a frase até hoje.
Agora me vejo aqui. Chorando a
saudade de sua infância. Meu cachorro envelheceu. Vi isso em seus olhos. Me vi
em seus olhos.
Sandra
Medina Costa
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