sábado, 19 de dezembro de 2015

As Mãos de Meu Pai


(Carolino – in Memorian)

As mãos de meu pai
Eram brancas
E juntaram-se um dia
Às mãos negras de Maria –
Doce Rosa que na vida
Sete filhos lhe daria.

As mãos de meu pai
Jogavam dados com maestria.
Ouvi muito minha mãe chamar-lhe “Dadinho”,
Voz dengosa, carregada de carinho.
(As mãos de minha mãe cumpriam o ritual
de servir o alimento a meu pai).

As mãos de meu pai
Traziam biscoitos pra gente
À noite e especialmente
Quando se ficava doente.

(E isso era muito bom!)

As mãos de meu pai
Eram grandes, eram fortes...
Mas, agredir? Isso não.
Dava mais medo na gente
O olhar severo e a mão no corrião.

As mãos de meu pai
Juntaram-se às minhas mãos pequeninas
Por raríssimas vezes.
(Certa feita, suas mãos me conduziram
Ao ambulatório médico para fazer um curativo
Na cabeça, devido à queda de um balanço).

(Nunca me vi em seu colo.)

As mãos de meu pai
Tocavam cavaquinho em noites de boemia.
Em casa, dedilhavam o violão como um artista,
Olhos fechados de emoção, voz vibrante
Nas cantigas de amor, pedidos de perdão,
Que calava fundo o calundu de mãe.

As mãos de meu pai
Liam jornais aos domingos
E dividiam comigo aquela sabedoria
Dando-me um dos cadernos –
A parte que me cabia:
O jornalzinho Gurilândia.

As mãos de meu pai
Faziam palavras cruzadas
E pra mim eram reservadas
As mais fáceis que havia...

(Talvez daí, jornais e revistas, tenha nascido meu amor pelas letras...)

As mãos de meu pai
Desenhavam letras lindas, especiais,
Escreviam a vida.
(Tentei anos em vão imitar.)

As mãos de meu pai
Eram espertas nos jogos de cartas.
Ensinaram-me a jogar paciência.

As mãos de meu pai
Seguravam rápido o copo de cachaça
E o líquido transparente ou amarelado
Sumia como fumaça.

As mãos de meu pai
Seguram o cigarro e o levavam à boca,
E estranha mágica acontecia.
De sua boca e narinas
Fumaça cinza saía

(Mágica de vícios que só mais tarde eu entenderia)

As mãos de meu pai
Seguravam a vara e colocavam a isca no anzol,
Pescavam peixes em rios,
Em dias de chuva ou de sol.
E as mãos de minha mãe
Preparavam com desvelo
As delícias do peixe ensopado,
No final sempre temperado
Com azeite de dendê
E leite de coco ralado.

As mãos de meu pai
Tiveram como último gesto
Balançar, pedindo socorro.
“Brincadeira”, pensaram os amigos.
E o gesto perdeu-se no ar, na água.

E as mãos de meu pai
Calaram-se para sempre.


Sandra Medina Costa

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