sábado, 31 de outubro de 2015

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

TANAJURA


Durou pouco tempo
Ainda no ponto de ônibus
Lá estava ela
Já sem asas
Caminhava em círculos
Uma tanajura
Feito barata tonta
Vez ou outra
Passava outra
Voando sem rumo
Ousou atravessar a rua
Não deu outra
Partiu dessa pra melhor


Sandra Medina Costa

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Oração a São Judas Tadeu


Haicai [quietude]


Quietude –
O barulho do pássaro
    Pisando em folhas secas.

(Ryushi)

terça-feira, 27 de outubro de 2015

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Abraços curam


Um abraço.
A mão no ombro.
O cansaço da dúvida
se dissipa,
se esvai.
É o carinho
que me chega - resposta do Pai.


Sandra Medina Costa

domingo, 25 de outubro de 2015

Os saberes de cada um


Rubem Alves
O galinheiro estava em polvorosa. Cocorocós de galos, cacarejos de galinhas, tofracos de angolinhas, pios de pintinhos - tudo se misturava num barulho infernal. Todos haviam sido convocados a uma assembléia pelo Chantecler, o galo prefeito do galinheiro, para tratar de um assunto de grande importância: o fato de vários ovos chocados pela Cocota terem sido comidos por um ladrão, num breve momento em que ela abandonara o ninho para comer milho e beber água.
As pegadas eram inconfundíveis: o ladrão era uma raposa. Raposas são animais muito perigosos. Comem não somente ovos como também pintinhos e mesmo galinhas mais crescidas. Com um sonoro cocoricocó, Chantecler pediu silêncio, expôs o problema e franqueou a palavra.
Encarapitado no galho de uma goiabeira, um galinho garnizé cantou estridente. Era o Mundico. Ele adorava discursar. "Companheiros", ele começou, "peço a atenção de vocês para as ponderações que vou fazer acerca da crise conjuntural em que nos encontramos. Charles Darwin foi o primeiro a mostrar que a história dos bichos é marcada pela luta em que os mais fortes devoram os mais fracos. Os leões comem os veados, os lobos comem os cordeiros, os gaviões comem as pombas, as raposas comem as galinhas. Os mais aptos sobrevivem, os outros morrem".
"Assim, a crise conjuntural em que nos encontramos nada mais é que uma manifestação da realidade estrutural que rege a história dos bichos. E o que é que faz com que as raposas sejam mais aptas do que nós? As raposas são mais aptas e nos devoram porque elas detêm o monopólio de um saber que nós não temos. Somente nos libertaremos do jugo das raposas quando nos apropriarmos dos saberes que elas têm."
"Como se transmitem os saberes? Por meio da educação. Sugiro então que empreendamos uma reforma em nossos currículos e programas. Se, até hoje, nossos currículos e programas ensinavam aos nossos filhos saberes galináceos, de hoje em diante eles ensinarão saberes de raposa."
"Primeiro, teremos de educar os nossos olhos para que eles passem a ver como vêem as raposas. Onde é que as raposas têm os seus olhos? Na frente do focinho. E nós? Onde estão os nossos olhos? Do lado. Educaremos os nossos olhos para que eles olhem para frente, como as raposas."
"Segundo: teremos de reeducar o nosso andar. Raposas andam com quatro patas. Por isso valem o dobro que nós, que só temos duas. Como transformar duas patas em quatro? Nós, galinhas e galos, bípedes, passaremos a andar aos pares, um na frente, outro atrás, o de trás segurando o traseiro do que vai à frente, e assim seremos quadrúpedes."
"Terceiro: as raposas têm pelos, enquanto nós temos penas. Teremos de nos livrar de nossas penas para que no seu lugar cresçam pêlos. E os nossos rabos, ridículos uropígios, estimulados pelos pêlos, se alongarão para trás e se transformarão em rabos de raposa."
"Quarto: as raposas têm focinhos e nós temos bicos. Mas o que é um focinho? Focinho é uma coisa sem bico. Ora, bastará que extraiamos os nossos bicos para termos focinhos, como as raposas. Assim, pela educação, nos apropriaremos dos saberes das raposas, espécie que por tantos milênios nos tem dominado. Será, então, o advento da liberdade!"
Mundico se calou. Todos estavam "biquiabertos" com a sua eloquência. E todos concordaram com o seu projeto educacional. Galos e galinhas arrancaram umas às outras as suas penas e, peladas, aguardavam o crescimento dos pêlos. Por meio de exercícios apropriados, movimentavam seus olhos para que eles aprendessem a olhar para a frente. Desbicaram-se, lixando seus bicos em pedras ásperas. E andavam, como Mundico dissera, aos pares, um na frente e outro agarrado atrás...
Mas parece que o currículo de raposa não deu resultado. A raposa continuou a comer ovos dos ninhos e chegou mesmo a devorar um pintinho distraído. Acharam que ela tivesse também devorado o Sesfredo, um galo velho de pescoço pelado, vermelho, e que cantava com sotaque caipira.
Convocou-se outra assembleia. Toda a população do galinheiro compareceu. Para surpresa de todos, até mesmo o Sesfredo, que tomou lugar num galho de uma árvore muito alta, onde nenhum galo ou galinha jamais fora. "A gente pensou que você tinha sido devorado pela raposa", cantou o Godofredo, forte galo índio. "Que nada", disse Sesfredo. "É que me internei no spa do Urubuzão para fazer uma reciclagem de vôo. Urubu é ave como nós. Mas raposa não come urubu. Raposa não come urubu porque urubu sabe voar. Raposa come galos e galinhas porque desaprendemos o uso de nossas asas..."
Nesse momento uma angolinha que ficara de sentinela deu o alarme: "Aí vem a raposa, aí vem a raposa, aí vem a raposa...". Foi uma correria, cada um correndo para um lado. Mas ninguém sabia voar. A raposa, valendo-se da confusão, abocanhou uma galinha garnizé, já depenada e desbicada...
Todo mundo entrou em pânico. Menos o Sesfredo. Lá de cima, ele abriu as asas e voou alto, muito alto, até parecia um urubu... Assim é: ave que sabe voar, raposa não consegue pegar.

Alguns há que justificam os currículos de nossas escolas dizendo que é preciso que as classes dominadas se apropriem dos saberes das classes dominantes. Há muitos Mundicos por aí...

sábado, 24 de outubro de 2015

Haicai (camélias)


Depois da chuva
um tapete,
de camélias no meu chão.

(Kate Weiss)

[Imagem: Google]

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Haicai [libélula]


É quase nada
a cara da libélula
somente olhos.
(Chisoku)

[Imagem: g1.globo.com]

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O dedão evoluiu!


     Se, antigamente, afirmava-se que a única função do dedão era segurar a parte de baixo do sanduíche, hoje já não se pode dizer o mesmo. O dedão evoluiu!
     Ágil se move sobre o teclado alfanumérico dos celulares, tablets (e outras geringonças ultramodernas) e sai feito louco escrevendo mensagens, fazendo contas, capturando imagens. Não me surpreenderia se perdesse o status de “dedão”, tal a magreza em que se encontra. Os dedões se veem hoje tão conectados à modernidade que, superior aos outros dedos, reina único, absoluto! E, junto aos demais, já ignora o lápis que outrora tanto admirava, não tem mais tempo para o sanduíche, mal aceita a manicure, pois vai que esta, distraída, lhe fere a cutícula!? e está feito o estrago. Vai doer, inchar, e corre o risco de virar "dedão" de novo.
     Olho de relance os passageiros no ônibus... A mão que balança o berço, agora, segura firme o celular, o dedão a postos, enquanto a criança se ajeita como pode no braço. Para todos os lados que se olhe, só se veem dedões e celulares. Ouvidos tapados, também conectados, vão aos poucos perdendo sua função (ou “evoluindo” como o dedão).
     É noite. E todos os gatos são pardos, todos os dedões se conectam, todos os ouvidos se tapam, todos os olhos se fecham. O dedão evoluiu (e, com ele, toda uma geração).

Sandra Medina Costa

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

domingo, 18 de outubro de 2015

A PRIMAVERA DE CADA UM


Cecília Meireles


Enquanto há primavera, esta primavera natural,
prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos,
que dão beijinhos para o ar azul.
Escutemos estas vozes que andam nas árvores,
caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos:
lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos;
e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra.
Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume.
E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor...


[Imagem Google: eufórbia]

sábado, 17 de outubro de 2015

Toda manhã


Eu sou um ímã de coisas boas, tudo em minha vida é perfeito, EU SOU imagem e semelhança de Deus!!!

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O jardim, um bouquet de jardim...


Le jardin, un bouquet de jardin

No jardim da Vó, eu andava em silêncio. Não estava só.
Em meio às flores buscava o vestígio de sutis odores
Que me vinham de um canto qualquer da lembrança.
Cheiro bom de saudade...
Tempo bom de criança.

No jardim da Vó, eu colhia flores como quem colhe sonhos.
Capturava as cores, buscava pequenos sinais
Para eternizar o momento, a beleza de uma vida.
Cheiro bom de saudade...
Ser feliz. Nada mais.


Sandra Medina Costa

Dia de Santa Edwiges - 16 de outubro


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Professor


Ensina com alegria. A tristeza seca a alma e rouba o frescor das palavras.
(Santo Agostinho)

Os pés descalços


Ramgad

Os pés descalços sonham.
Correm canteiros,
navegam mares,
descem ladeiras.
Sentem fome,
brincam com a dor,
fazem amor.
Ah, os pés descalços,
vão de ônibus,
Vão de trem,
Vão e vêm...
Choram,
acreditam.
Ajoelham-se
pagam promessas.
Os pés descalços.


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Árvores e Crianças


“Árvores são poemas
que a Terra escreve para o céu...”
(Khalil Gibran)

Crianças são poemas
Que Deus escreve para a Humanidade.
Olhe ao seu redor.
A sabedoria consiste
exatamente nisso:
respeitar o verde
para sobreviver a Natureza,
respeitar a criança
para sobreviver o Homem.


Sandra Medina Costa

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

domingo, 11 de outubro de 2015

sábado, 10 de outubro de 2015

Somno litterarum


As palavras me olham com sono: não querem mais ser lidas e, sim, decifradas.

Sandra Medina Costa

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Futuro


RÔMULO REMA


Rômulo rema no rio.

A romã dorme no ramo,
A romã rubra.
( E o céu)

O remo abre o rio
O rio murmura.

A romã rubra dorme
Cheia de rubis.
(E o céu)
Rômulo rema no rio.
Abre-se a romã
Abre-se a manhã.

Rolam rubis rubros do céu.

No rio,

Rômulo rema.


Cecília Meireles

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

terça-feira, 6 de outubro de 2015

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

sábado, 3 de outubro de 2015

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A VOLTA DO GUERREIRO


Os homens que voltaram da guerra traziam feridas e pesadelos. Encontraram suas amadas indiferentes. Passara tanto tempo que algumas nem se lembravam deles, e muitas tinham estabelecido novos amores.
Uma, entretanto, permaneceu lembrada e fiel, e atirou-se com fúria passional aos braços do ex-guerreiro. Ele a repeliu, dizendo:
― Não quero mais ver a guerra diante de mim.
― Eu não sou a guerra, sou o amor, querido ― respondeu-lhe a mulher, assustada.
― Você é a imagem da guerra, você me agarrou como o inimigo na luta corpo a corpo, eu não quero saber de você.
― Então farei carícias lentas e suaves.
 O inimigo também passa a mão de leve pelo corpo do soldado caído, para tirar o que houver no uniforme.
― Ficarei quieta, não farei nada.
― Não fazer nada é a atitude mais suspeita e mais perigosa do inimigo, que nos observa para nos atacar à traição.
Separaram-se para sempre.


Carlos Drummond de Andrade. In Contos Plausíveis.José Olympio, 1985