quinta-feira, 15 de março de 2018

VIDA DE NUVEM



(Antonio Barreto)

No oitavo dia, Deus fez as nuvens para descansar.
Por isso que nuvem é o maior mistério.
Tem formato de amor, de coração.
Tá cheinha de flor, mas esfomeada de fruta.
Magrinha, com sede de pássaro e com frio de vento.
Tá molhada de chuva e sequinha de sol.
Tá quentinha de lã e branquinha de sal.
Mas nuvem é sempre assim: esfarrapada, esfiapada de algodão.
E nunca fica colada no céu.
Nuvem também pode ser gorda.
Pode conter toda gordura de pensamento que a gente imagina.
Só que dura pouco. Quando entristece, magoada, choraminga.
E derrama tudo na chuva.
Fica com raiva, sapateia, faz estardalhaço. Trovão.
Mas depois se alegra de novo, novinha.
Branca que nem folha de caderno pedindo lápis.
Deve ser por isso que ela tem caixa de lápis de cor
no final do seu chorar: o arco-íris.
Quando olhamos para elas (as nuvens, no plural) vemos o desenho de várias histórias.
Nuvem precisa de conversar com o lápis, porque só escreve fora de hora.
Nuvem é um desenho que vai embora.
Pássaro que não canta. Pássaro sem asa, sem casa.
Nuvem nem precisa de borracha.
Sai viajando sem mundo, sem horizonte e sem rodoviária.
Nuvem nem precisa de “para casa”,
não tem pronúncia...
Nuvem é a maior bagunça.

Nenhum comentário: