segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Na capelinha

 


NA CAPELINHA (Auta de Souza)

Entrou na Igreja sorrindo, 

Coberta com um fino véu. 

O seu rostinho era lindo 

Como o da virgem do Céu. 

 

Foi ajoelhar-se contrita 

Ao pé do sagrado altar, 

E, com piedade infinita, 

Principiou a rezar. 

 

Um doce sorriso veio 

Encher-lhe a boca de luz. 

Uniu as mãos sobre o seio, 

Fitou os olhos na Cruz. 

 

O que dizia... Alguém pode 

Adivinhar o que diz 

A prece que ao lábio acode 

Enquanto a gente é feliz? 

 

Nessa idade, para que 

Se reza... (saberei eu?) 

A gente reza porque 

Também se reza no Céu. 

 

E ela, tão meiga e pura, 

Que não conhecia o mal, 

E que guardava a ventura 

No coração virginal; 

 

Em sua fé de criança 

Ingênua e cheia de amor, 

Talvez pedisse a esperança 

Para os que vivem na dor. 

 

Talvez tivesse gemidos 

Para quem vive a chorar, 

Para os que vagam perdidos 

Nas frias ondas do mar. 

 

E enquanto o lábio querido 

Orava piedoso assim, 

Do negro olhar comovido 

O pranto rolou por fim. 

 

E deslizaram sem calma 

As bagas por sua tez, 

No desconsolo de um’alma 

Que chora a primeira vez. 

 

Su’alma santa onde moram 

A Luz, a Inocência e o Bem, 

Pedindo pelos que choram 

Foi soluçando também. 

 

E compreendendo o segredo 

D’aquela doce emoção, 

Eu disse baixinho, a medo, 

Falando ao meu coração: 

 

Benditos nós que sofremos 

Varados por mágoa atroz... 

Enquanto assim padecemos 

Os anjos pedem por nós.


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