terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Fabulando


Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 583 da Associação Portuguesa de Poetas

Três jovens rãs caminhavam despreocupadamente numa bela tarde de Verão.
Duas delas tagarelavam e a terceira, muito calada, ia apreciando a paisagem enquanto recordava os últimos parágrafos que lera no seu livro de Ciências Físico Químicas. Era uma rã bastante interessada no mundo que a rodeava e, por mais que as outras a solicitassem para uma conversação sobre as últimas tendências da moda, os olhos acabavam por se lhe desviar para a cor do céu àquela hora, o verde dos caminhos, a majestade das árvores e o voo dos insectos que por ali zumbiam aos milhares. Outras vezes era o pensamento que lhe vagueava, de novo, para as lições de Biologia e Físico Químicas... as tais que tão particularmente lhe interessavam.
As amigas, pontualmente, zombavam dela:
- Olha lá, mana! Ainda acabas por tropeçar na pata de uma formiga!, dizia a da esquerda.
- Olha-me para esta tonta, sempre a pensar na morte da bezerra! Quando não lê ou estuda, fica assim, feita zombie, de olhos perdidos no nada... , acrescentava a da direita. A rã não se importava muito. Lá bem no fundo gostaria sempre das suas amigas e embora tivesse alguma pena, por elas - porque as achava pouco inteligentes e superficiais - aquela vontade de aprender valia bem meia dúzia de frases menos correctas.
A dada altura, as rãs aproximaram-se de uma quinta e o terreno foi mudando de aspecto. Havia muito mais obstáculos e a palha que cobria o chão colava-se-lhes às patinhas, dificultando a marcha. Nenhuma delas, porém, mudou de atitude e a terceira rãzinha continuava embrenhada nas suas congeminações enquanto as outras duas pareciam nunca se cansar de debater as tais últimas tendências da moda.
Subitamente, no final de um dos saltinhos com que se deslocavam, sentiram-se mergulhar numa superficie morna e viscosa que se revelou de uma brancura suave mal o susto do primeiro mergulho lhes permitiu uma rápida vinda ao de cima para abrirem os olhos e respirar.
Compreenderam, num ápice, que haviam caído num balde, daqueles que os humanos utilizavam para recolher o leite daqueles pacíficos e gigantescos monstros ruminantes dos quais, tantas vezes, se tinham de desviar, no decorrer dos seus passeios diários.
- E agora? Este era o nosso destino, irmãs... não conseguiremos sair deste enorme balde! Vamos morrer ainda jovens..., gemeu a rãzinha da direita, quase a afogar-se.
- Não! Não desistas, mana! Esperneia até ao fim! Não tem de ser este o nosso destino!, gritava a rãzinha da esquerda agitando as patinhas num desespero.
- Manas, eu recordo-me bem de uma lição que aprendi no meu livro de Físico Químicas! O leite é um líquido e todos os líquidos têm uma força que se chama tensão superficial. Se soubermos manter-nos serenas, se nos soubermos controlar e flutuar, não teremos de morrer aqui!, isto defendia a terceira rãzinha, mas nunca chegou a ser ouvida. A primeira, desistente, já se sumira na superfície leitosa por altura destas palavras e a segunda continuava a espernear num pânico tal e numa tal aflição que nem teve tempo de se afogar... o medo assolou-a de tal forma que o coraçãozito não resistiu e parou, fulminada por um ataque cardíaco, no exacto momento em que o leite começava a solidificar, adquirindo a consistência da manteiga. A terceira rãzinha, a que flutuara, saltou do balde de manteiga, olhou para trás e sentiu uma lágrima correr-lhe pela face. Pobres irmãs! Nunca mais as veria, nunca mais as ouviria zombar daquele seu hábito de pensar nas coisas, de aprender sobre elas...

Moral - muitíssimo interrogativa... - da História:
Será que vamos sempre precisar dos que são estúpidos e superficiais para podermos sobreviver aos desaires da vida?
[Imagem Google]

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