sábado, 28 de novembro de 2009

Carta de despedida



Ele esperou que a esposa adormecesse e, suavemente, se levantou. Por precaução não acendeu a luz do abajur. “Vai que a mulher acorda?!” Tateou a gaveta do criado à procura de uma caneta. O bloco de papel ficava sempre próximo ao telefone. “Pronto!”
Sentou-se devagar frente à penteadeira e, ali, às escuras, escreveu a longa carta de despedida. Não achava justo sair assim, sem deixar uma explicação. Não tivera coragem de falar cara a cara com a esposa.
Há tempos conhecera Dolores – mulher de pecados, e por ela se apaixonara. Agora fugiriam para longe. Ele estava perdido de amores pela Dolores.
Saiu sorrateiro pela porta dos fundos, qual ladrão de vidas alheias. Levava consigo apenas o velho guarda-chuva e a roupa do corpo. Deixava para trás um passado insosso vivido com Maricotinha e seis filhos. A mesmice do dia a dia já transformara tudo em paisagem.
João agora sonhava com Dolores – mulher-dama, senhora de muitos amores. Ia montar casa para elas lá pras bandas do norte. Pensava. Sorria-lhe a sorte.
O sol já ia alto quando Maricotinha acordou. Sobre o móvel viu uma folha de papel em branco e a caneta sem tinta...

Sandra Medina Costa

[imagem da web]

3 comentários:

Anônimo disse...

RUBO MEDINA - Impecável, irretocável, conciso e surpreendente. Sua capacidade de construir um enredo me surpreende... Abraços, Sandra.

Anônimo disse...

me surpreendeu, quis dizer... pq só conhecia bem as suas poesias...

Mão da Vida disse...

Oi, Rubo! Obrigada pela visita e pelo comentário. Estou tentando aprender a escrever crônicas...