sábado, 27 de junho de 2009

Argos - o cão de Ulisses

Argos era o nome do cão de Ulisses. Este, conta a Odisseia, depois de passar 10 anos na Guerra de Tróia, passou 10 anos a tentar regressar a casa. Mas os deuses estavam contra ele. Não o deixavam ver do seu barco a sua querida "terra-mãe", a ilha que o viu nascer e crescer, Ítaca. Calipso, uma ninfa, chegou mesmo a oferecer-lhe imortalidade (e o seu coração) caso ele ficasse com ela na sua ilha Ogígia. Porém, Ulisses recusou pois a sua mente, a sua recordação era fiel ao seu lar, ao seu palácio, à sua mulher. E, de fato, nada o demoveu de voltar, nem mesmo todos os obstáculos que os deuses fabricaram. Mas quando voltou, Ulisses soube que o seu palácio tinha sido tomado por outros reis e príncipes que desejavam a mão da sua mulher, Penélope, considerada viúva por todos.
No entanto, Penélope ia enganando todos por meio de uma manta que tecia de dia e à noite desfazia. Só assim poderia demorar o fato de ter de escolher um novo marido.
Ora, Ulisses resolveu passar por mendigo e testar quem é que, daqueles que ocupavam vorazmente o seu palácio, merecia viver. Nenhum reconheceu Ulisses e poucos deles se mostraram misericordiosos para com o mendigo, não lhe concedendo sequer a hospitalidade que era comumente dada a todo e qualquer viajante e da qual eles gozavam há muito. Ulisses enfureceu-se e, libertando-se do disfarce, deu morte a todos os que se mostravam indignos de terem títulos... ou de terem vida. E embora poucos sobrassem para contar a história, correu o rumor por toda a ilha de Ítaca de que Ulisses tinha finalmente regressado da guerra.
Penélope foi a última a reconhecer o marido. Mas o primeiro foi Argos, o cão que Ulisses deixara, ainda pequeno, quando partira para Tróia. Durante 20 anos, Argos esperou fielmente o regresso do seu dono. Quando Ulisses lhe surgiu como mendigo, Argos não teve a menor dúvida que estava perante o seu dono. Recebeu-o com notório reconhecimento e depois, deitando-se aos pés do seu dono, suspirou pela última vez.
Sem dúvida que Argos inspirou o pensamento de que o cão é o melhor amigo do homem.


(...)

Muitos cães se chamam Ulisses. Mas, e o cachorro de Ulisses, como se chamava? Argos. Ele espera por seu dono em condições menos confortáveis que as de Penélope. Sempre prudente, o rei de Itaca, quando aportou em sua ilha, fez-se irreconhecível, com a cumplicidade de Atenas. E, no entanto, Argos o reconheceu.
"Negligenciado na ausência do seu senhor, ele agora jazia, esticado diante do portal, sobre um monte de estrume de mulas e bois, onde os criados de Ulisses vinham buscar com o que adubar a grande propriedade; ali estava deitado Argos, coberto de carrapatos. Reconhecendo Ulisses no homem que chegava, agitou a cauda e baixou as duas orelhas: faltaram-lhe forças para chegar até onde estava seu senhor."
"Ulisses o havia visto: voltando o rosto, verteu uma lágrima..."
Posêidon, com o espírito vingativo que sabemos ter os deuses, em vão havia se encarniçado contra Ulisses. Mas, arrancar-lhe uma lágrima, só ao velho cão foi permitido.

Les larmes d´Ulysses (título original)
Da dificuldade de ser cão, Roger Grenier, Editora Companhia das Letras, São Paulo, 2002, página 7


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