quarta-feira, 19 de junho de 2013

Língua

(Caetano Veloso)

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões 
Gosto de ser e de estar 
E quero me dedicar a criar confusões de prosódias 
E uma profusão de paródias que encurtem dores 
E furtem cores como camaleões 
 
Gosto do Pessoa na pessoa da rosa no Rosa 
E sei que a poesia está para a prosa assim como o amor está para a amizade 
E quem há de negar que esta lhe é superior 
E deixe os portugais morrerem à míngua 
"Minha pátria é minha língua" Fala Mangueira! Fala! 
 
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó 
O que quer o que pode essa língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas 
E o falso inglês relax dos surfistas 
Sejamos imperialistas 
 
Vamos na velô da dicção choo choo de Carmem Miranda 
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E - xeque-mate - explique-nos Luanda 
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo 
Sejamos o lobo do lobo do homem 
 
Adoro nomes, nomes em à 
De coisas como Rã e Imã 
Nomes de nomes 
Como Scarlet Moon de Chevalier 
Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé e Maria da Fé e Arrigo Barnabé 
 
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó 
O que quer o que pode essa língua? 
 
Incrível! É melhor fazer uma canção 
Está provado que só é possível filosofar em alemão 
Se você tem uma ideia incrível é melhor fazer uma canção 
Está provado que só é possível filosofar em alemão 
 
Blitz quer dizer corisco, Hollywood quer dizer Azevedo 
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo! 
A língua é minha pátria e eu não tenho pátria: tenho mátria 
E quero frátria 
 
Poesia concreta, prosa caótica 
Ótica futura 
Samba-rap, chic-left com banana 
Será que ela está no Pão de Açúcar? 
Tá craude brô você e tu lhe amo 
 
Qué queu te faço, nego? 
Bote ligeiro 
Nós canto-falamos como quem inveja negros 
Que sofrem horrores no gueto do Harlem 
Livros, discos, vídeos à mancheia 
 
E deixa que digam, que pensem, que falem


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