domingo, 14 de dezembro de 2008

Meu Par de Sandálias Azuis




(Por Evelyn Medina - Conto feito em homenagem à tia Lourdes)

Tia Lourdes, me lembro muito dela. Tão bonita, exuberante, em seus cabelos negros e ondulantes. Morava no Rio de Janeiro e todos os anos, por ocasião das férias vinha passear em nossa casa. Era uma festa. Trazia pra nós muitos presentes, roupas, perfumes. Arnaldo, seu único filho, nos contava as novidades da cidade grande. Falava sobre os filmes, artistas, das acrobacias nos circos, e muitas outras histórias não conhecidas em nossa pequena cidade do interior. Todos os anos aguardávamos ansiosos sua chegada.
Ela era uma linda mulher, de natureza forte e decidida. Gostava de mandar, exigir, intrometer, como tia que era, nas coisas erradas que fazíamos.
Eu me lembro, certa vez, quando mamãe ganhou um de meus irmãos mais novos. Tia Lourdes estava conosco. Foi nos proibido ir ao hospital. E nós crianças recebíamos as noticias de mamãe, se os adultos nos quisessem dar e da maneira deles. Meu coração doía e apertava preocupada com mamãe. Queria muito vê-la, mas era impossível sonhar tal coisa. Tia Lourdes vigiava tudo e nos impedia peremptoriamente de sairmos de casa. Mamãe precisava de uma pasta de dentes. Alguém falou pra tia Lourdes. E eu me ofereci pra levar, mas eu queria mesmo era ver mamãe. Não adiantou pedir, espernear, foi me negado o direito de ir ao hospital. E então aconteceu. Resolvi fugir. Eu já de pijamas de dormir, pra não despertar desconfianças, sai sorrateiramente, correndo desenfreadamente pra não ser alcançada. Desci um beco comprido, o beco de D. René, passei lá em baixo, perto do campinho e finalmente cheguei ao hospital. Fiquei feliz ao ver mamãe com o nenê do seu lado já recuperada e livre de perigo. Mas tia Lourdes ficou uma fera com a minha desobediência.
De outra feita, fui com meus colegas de escola a um passeio. Passamos perto de minha casa. Marlene, minha colega mais chegada, entrou em casa comigo pra bebermos água. Tia Lourdes começou a esbravejar e reclamar por eu trazer pessoas desconhecidas pra dentro de casa. Fiquei muito aborrecida e comecei a cantar: “cachorrinho está latindo lá no fundo do quintal, cala boca cachorrinho, deixa meu vizinho entrar”.Tia Lourdes, com toda a razão ficou muitíssimo aborrecida. Chegou pra mim e disse-me o quanto estava sentida e que só me perdoaria se eu lhe pedisse perdão de joelhos. Não me importei muito naquela hora. A colega foi-se embora e tia Lourdes voltou pro Rio de Janeiro. Os dias se passaram.
De repente encontrei-me com Jesus. E Ele disse-me muitas coisas acerca dos meus pecados.Disse-me da necessidade de pedirmos perdão quando magoamos alguém. Meu coração saltou. Lembrei-me de tia Lourdes e decidi escrever-lhe pedindo perdão. Falei assim na carta:- tia Lurdes, peço de joelhos, seu perdão e espero ansiosa sua resposta.
Aguardei a carta de tia Lourdes. Eu pensava: - terei o seu perdão? Responderá ela à minha carta?
Os dias se passavam e nenhuma resposta chegava. E eu parei de esperar. Envolvi-me com minhas brincadeiras de criança e minhas leituras.
Um dia bateram em nossa porta. Era o carteiro. Lembro-me ainda hoje dele. Trazia um documento endereçado a mim, solicitando meu comparecimento ao correio. E eu pensei: - o que será? Quem terá me enviado alguma coisa? E mamãe levou-me, então ao correio, cheia de curiosidades pra buscar a preciosa encomenda.
Quando lá chegamos, qual não foi minha surpresa. Vinha do Rio de Janeiro, enviada por minha tia Lourdes. Era um lindo par de sandálias azuis...


Evelyn Medina


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